Megaestrada que liga o Brasil ao Chile se transforma na rota do desenvolvimento de MS
5 de junho de 2023

No estado, novos negócios estão sendo criados, empregos gerados, mão de obra, empresários e gestores capacitados e projetos desenvolvidos pela iniciativa privada e pelo Poder Público para aproveitar o potencial que o corredor rodoviário continental vai oferecer.

Annice Dias e a amiga Maria Emiliana Cavuto Abrão são turismólogas. Por mais de 20 anos trabalharam com a atividade em Porto Murtinho, cidade de 17,5 mil habitantes, que fica no Pantanal, em Mato Grosso do Sul, na fronteira do Brasil com o Paraguai. No município, o turismo de pesca se consolidou, mas elas sempre sonharam com mais.

Empregadas no setor público e no privado, queriam abrir o próprio negócio e oferecer aos visitantes a oportunidade de vivenciar tudo aquilo que as encantava em sua terra natal: a contemplação das belezas pantaneiras, a observação dos pássaros, os sabores da gastronomia local e a riqueza cultural do casario histórico.

Annice Dias e a amiga Maria Emiliana Cavuto Abrão  — Foto: Bio Rota Tur/Divulgação

Annice Dias e a amiga Maria Emiliana Cavuto Abrão — Foto: Bio Rota Tur/Divulgação

Há dois anos as amigas perceberam que tinha chegado o momento de transformar o sonho em realidade. Em 2021, o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benitez, assinou a ordem de serviço para a construção da Ponte da Bioceânica. A estrutura, que começou a ser erguida no ano seguinte, liga Porto Murtinho, no Brasil, a Carmelo Peralta, no Paraguai, e representa a superação do maior gargalo logístico para a viabilização do Corredor Bioceânico, a megaestrada que liga os portos de Santos (SP), aos do Chile.

Com a medida, o presidente paraguaio pôs fim às incertezas sobre o projeto da rota bioceânica e deu iniciou a um processo que mudaria a geografia econômica, cultural e social de regiões que tanto no seu país, quanto no Brasil, eram consideradas “fim de linha”, pela localização, para se transformarem em centros de um importante corredor logístico continental.

A megaestrada, segundo estudos da Empresa de planejamento e logística (EPL) pode encurtar em mais de 9,7 mil quilômetros de rota marítima a distância nas exportações brasileiras para a Ásia. Em uma viagem para a China, por exemplo, pode reduzir em 23% o tempo, cerca de 12 dias a menos. Esse ganho logístico representa incremento de competitividade para os produtos sul-mato-grossenses e brasileiros. Além disso, a rota possibilita o incremento da comercialização entre os quatro países por onde passa: Brasil, Paraguai, Argentina e Chile, além de promover a integração cultural e o turismo.

“A Rota Bioceânica foi nosso start. Percebemos uma grande oportunidade que essa ligação nos oferecia, pois vai aumentar o fluxo de pessoas de vários países passando pela região, para que pudéssemos trabalhar novos segmentos turísticos em Porto Murtinho. Queríamos mostrar que além da pesca, temos as belezas dos rios Paraguai, Apa e Branco, a Cachoeira do Apa, uma cidade repleta de prédios históricos e de monumentos e ainda nossa gastronomia, com todas as influências que teve da fronteira e que a tornam tão marcante. Com o projeto da rota e a construção da ponte, Porto Murtinho está em evidência. Temos muitas consultas de pessoas e famílias interessadas em conhecer a região”, explicam as amigas e sócias.

A agência de Annice e de Maria Emiliana, a Bio Rota Tur, foi a primeira do segmento na cidade, e inovou também em um outro aspecto, é totalmente digital. Elas contam que optaram pelo formato online, sem sede física, por conta de inicialmente serem somente as duas a trabalharem na empresa e, em razão da demanda ainda estar se consolidando. “O turismo de pesca já está estabelecido. Os visitantes já tem contato direto com os operadores. Então, estamos trabalhando um público diferenciado e graças ao interesse despertado pela rota já temos interessados nas outras modalidades que temos na cidade. Além de Porto Murtinho queremos trabalhar roteiros integrados, mostrando inclusive o Paraguai”, ressaltam.

Belezas Naturais de Porto Murtinho — Foto: Bio Rota Tur/Divulgação

Belezas Naturais de Porto Murtinho — Foto: Bio Rota Tur/Divulgação

Para buscar apoio e orientação na condução do negócio, as empreendedoras apontaram que logo após a formalização procuraram o Sebrae/MS. Elas contam que participaram de vários cursos e capacitações oferecidas por meio de programas como “Cidade Empreendedora” e “Sebrae Delas”.

‘O Sebrae/MS é nosso grande parceiro, inclusive, estamos recebendo consultoria técnica para nos ajudar a consolidar e crescer. Também tem nos convidado para participar de eventos na região onde podemos divulgar nossa agência e fazer novos negócios. Foi assim, em Bonito, há algumas semanas no Inspira Ecoturismo”, destacam.

Gerente da Regional Oeste do Sebrae/MS, Matheus da Silva Oliveira — Foto: Reprodução/g1 MS

Gerente da Regional Oeste do Sebrae/MS, Matheus da Silva Oliveira — Foto: Reprodução/g1 MS

Segundo o gerente da Regional Oeste do Sebrae/MS, Matheus da Silva Oliveira, desde 2019 quatro municípios do sudoeste do estado, na região de passagem da rota, estão participando do programa “Cidade Empreendedora”: Nioaque, Jardim, Bela Vista e Porto Murtinho. A iniciativa integra gestão pública e pequenos negócios em um ambiente de oportunidades, para estimular a economia local e desenvolver os municípios.

“No Cidade Empreendedora trabalhávamos o município como um todo, em várias frentes de desenvolvimento. Em uma das vertentes olhamos todo o ambiente de negócios e fizemos o atendimento direto ao empresário. Ajudamos esses empreendedores a se estruturarem, para que quando a rota começar a operar, quando a ponte da Bioceânica ficar pronta, eles aproveitem todas as oportunidades de crescimento que vão aparecer”, detalha.

Em outra vertente, o gerente da Regional Oeste do Sebrae/MS aponta que a entidade auxilia os municípios a construírem um plano de desenvolvimento econômico, voltado para identificar as vocações de cada cidade e qual pode ser seu diferencial competitivo quando a rota começar a operar. “Dentro desse processo do plano, com parceiros ajudamos a fomentar alguns dos segmentos indicados nesse estudo”, ressalta.

Dentro deste trabalho, o gerente destaca que uma das iniciativas é apresentar aos empreendedores informações relacionadas ao comércio exterior, que deverá ser dinamizado com o corredor. “Fazemos ações para explicar como é que funcionam os impostos, a legislação, a aduana e outros processos que estão dentro desse contexto, para que o empresário, que às vezes é pequeno, possa sim se preparar para exportar ou até importar por meio da rota. Se você vai acessar um novo mercado precisa se preparar para ele e aí, entra todo um processo de gestão e de como a empresa vai se comportar com esse tipo de operação. Tudo isso nós levamos para o empresário como uma oportunidade, no âmbito dos programas do Sebrae/MS”, pontua.

No caso de Porto Murtinho, Matheus comenta que a cidade está no segundo estágio do programa, em que por meio de cursos, consultorias, eventos e ações, se busca promover o desenvolvimento do município e das empresas locais. Ele destaca duas vocações do município. Uma, fortalecer a cadeia de micro, pequenas e médias empresas que atendem as grandes companhias que estão se instalando no município. A segunda, desenvolver o potencial turístico. “A rota vai ligar a região a outros três países da América do Sul. Além das grandes empresas e das exportações, também vamos ter toda a questão de turistas estrangeiros dentro da cidade. Então, junto com o município, com o Conselho Municipal de Turismo e as empresas temos feito um trabalho para estruturação da cadeia, voltado para fortalecer e gerar novos produtos, para que esse segmento também consiga aproveitar esse movimento que será gerado quando a rota estiver aberta”.

Entre 2021 e 2023, o Sebrae/MS fez 9,3 mil atendimentos nos quatro municípios atendidos no programa Cidade Empreendedora na região. Somente neste ano, foram 1,5 mil atendimentos, beneficiando 876 empresas.

Outro empreendedor, que a exemplo de Annice e Maria Emiliana, acredita na região e se prepara para investir ainda mais em razão do potencial da rota é Neodi Vicari. Ele investiu R$ 36 milhões para construir cerca de 13 quilômetros da cidade, ao lado da BR-267, um estacionamento de triagem de caminhões com capacidade para 400 veículos, um restaurante para atender aos motoristas e um posto de combustível.

Estacionamento de triagem de caminhões em Porto Murtinho — Foto: Prefeitura de Porto Murtinho/Divulgação

Estacionamento de triagem de caminhões em Porto Murtinho — Foto: Prefeitura de Porto Murtinho/Divulgação

Ele explica que o investimento foi feito para atender o crescente movimento de caminhões que passam pela região em direção aos terminais portuários, para o escoamento, principalmente de grãos, pela hidrovia do rio Paraguai. Na época que entrou em operação, em 2020, operava o da Agência Portuária de Porto Murtinho (APPM), que atualmente encontrasse desativado, e estava prestes a começar a funcionar o da FV Cereais – que está totalmente em operação.

O empresário revela, entretanto, que já de olho, no potencial da Rota Bioceânica, que já tem projeto pronto para ampliar o centro de triagem e mais, construir um novo restaurante e um hotel com capacidade entre 30 a 40 leitos na região. Ele conta que a localização dessa estrutura é estratégica, deve ficar no cruzamento da alça de acesso que ligará a rodovia BR-267 a ponte da Bioceânica.

“O novo estacionamento vai ter capacidade para aproximadamente 500 caminhões. Nós já temos a base toda pronta. A raspagem do solo, uma parte do aterro pronta. As demais obras nós vamos começar quando o porto for a leilão [APPM] . O governo retomou a concessão do APPM e vai pôr a venda. O novo operador vai ter demanda para mais caminhões e vamos avançar no projeto. Estamos também na expectativa da licitação do ramal do acesso. Saindo essa licitação, nós queremos ver se começamos as nossas obras juntos”.

Vicari calcula que deve investir no novo projeto para atender a demanda da rota entre R$ 18 milhões e R$ 20 milhões.

O empresário também formalizou parceria com o Sebrae e integra um Grupo de Trabalho (GT) de Encadeamento Produtivo de Porto Murtinho. Esse GT é responsável por organizar e promover ações de desenvolvimento de fornecedores, as micro e pequenas empresas locais.

Ele projeta uma mudança fenomenal na região com a rota. “Em um primeiro momento a região receberá um fluxo grande de turistas. As pessoas estarão muito curiosas para conhecer a região e isso, além do grande volume de veículos de carga transitando vai puxar a demanda por hotéis, por restaurantes e por outros serviços também. Hoje, por exemplo, sentimos falta de uma boa lavandeira e, eu não quero investir em uma lavanderia, mas os motoristas de caminhões e carretas que passam por aqui precisam desse serviço. Assim como precisam de alguém para cortar o cabelo e outros serviços. Isso já está acontecendo. São coisas que ainda funcionam precariamente e vai vir uma demanda gigantesca em todos os setores”.

Bio Rota Tur e o estacionamento de triagem de caminhões de Vicari são exemplos de como antes mesmo de estar totalmente pavimentado e operacionalizado, o Corredor Bioceânico, já alavanca o desenvolvimento em Mato Grosso do Sul, o portal brasileiro da rota. No estado, novos negócios estão sendo criados, empregos gerados, mão de obra, empresários e gestores capacitados e projetos desenvolvidos pela iniciativa privada e pelo Poder Público para aproveitar o potencial que o corredor rodoviário continental vai oferecer.

Em Porto Murtinho, por exemplo, o Mapa de Empresas do Governo Federal aponta que houve um crescimento de 10,63% no número de novos negócios formais abertos no município na comparação do primeiro quadrimestre de 2022 com o de 2023, com o número subindo de 47 para 52 empreendimentos.

Desenvolvimento além das fronteiras

A rota já está impulsionando o desenvolvimento além das fronteiras brasileiras. Em Carmelo Peralta, cidade paraguaia vizinha a Porto Murtinho, e onde foi iniciada a construção da ponte da Bioceânica, o corredor continental está fomentando a abertura de novas empresas e gerando empregos.

“Carmelo Peralta é a cidade com maior crescimento e desenvolvimento do departamento (estado). Isso vem ocorrendo desde 2019, quando foram iniciadas as obras de pavimentação da rota (no Paraguai), gerando um grande impacto na economia local, na abertura de novos empregos e na instalação de novos negócios”, aponta o secretário geral da cidade paraguaia, Hector Romero.

Ele destaca que pelo menos 15 novas empresas foram abertas na cidade, a maioria voltada para o comércio de bebidas e alimentos, mas que aumentou muito a compra de terrenos, por parte de empresários interessados em investir na prestação de serviço de demandas que surgiram com a rota.

Ao mesmo tempo em que celebra a chegada do desenvolvimento a região, o secretário geral aponta que a pequena cidade, de 4,4 mil habitantes, sofre com o aumento das demandas por mais saúde, educação e segurança pública, em razão das obras e projetos relacionados a rota. Somente na construção da ponte da Bioceânica, cerca de 480 operários trabalham nas duas frentes (paraguaia e brasileira).

“É muito complicado, porque são limitados os recursos municipais, mas contamos com parceiros estratégicos, como o governo nacional, empresas e outros instituições que nos ajudam”, aponta o secretário geral de Carmelo Peralta.

O que é a rota?

Cordilheira do Andes, Argentina — Foto: Anderson Viegas/ G1 MS

Cordilheira do Andes, Argentina — Foto: Anderson Viegas/ G1 MS

O Corredor Rodoviário Bioceânico, também conhecido por Rota Bioceânica, Corredor Bioceânico ou ainda Rota de Integração Latino Americana (RILA) é uma megaestrada que conecta o porto de Santos, no oceano Atlântico até os portos chilenos de Antofagasta e Iquique (Oceano Pacífico). São cerca de 3.485 quilômetros. No Brasil são 1.519 quilômetros, sendo 1.089 de Santos a Campo Grande e 430 da capital sul-mato-grossense a Porto Murtinho. No estado passa por cidades como Nioaque, Guia Lopes da Laguna, Jardim e Porto Murtinho, onde termina o trecho brasileiro.

No estado, um trecho de aproximadamente 220 quilômetros na BR-267, entre as cidades de Jardim e Porto Murtinho, que são os últimos no Brasil do “Corredor Bioceânico” está em condição precária, com crateras na pista, afundamento de pavimento e falta de acostamento.

“Equipes do DNIT [Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes] estão trabalhando na recuperação da rodovia, mas não têm dado conta, devido às chuvas e do grande movimento de carretas bitrens. São cerca de 250 todo dia, levando principalmente grãos para o porto. A estrada foi feita há 20 anos, quando nem tinha bitrem, era só caminhão e o movimento era muito menor, então o pavimento não aguenta. Estão trabalhando, mas tem trechos que tem buracos bem feios”, disse o prefeito de Porto Murtinho, Nelson Cintra (PSDB).Para fazer a manutenção e conservação do final do trecho brasileiro do corredor bioceânico, o DNIT aponta que tem dois contratos de prestação de serviço em vigência, justamente para garantir a trafegabilidade do segmento.

Além disso, o departamento licitou e a empresa contratada está elaborando o projeto executivo para a restauração da BR-267, nos últimos 101,1 quilômetros deste trecho, entre o distrito de Alto Caracol, em Caracol e Porto Murtinho, em Mato Grosso do Sul.

Esse projeto, conforme o DNIT, já é voltado para atender um fluxo ainda maior de veículos com o corredor bioceânico, o DNIT diz que estão previstos a implantação de acostamentos, reforma do pavimento, melhorias nas interseções e implantação de faixas adicionais de ultrapassagem (terceira faixa).

O investimento previsto inicialmente para o projeto é de R$ 178 milhões e prazo de execução de três anos (1080), a partir da ordem de serviço.

Ainda relacionado a megaestrada, o DNIT aponta que deve lançar ainda em junho a licitação das obras do acesso ao lado brasileiro à ponte internacional sobre o rio Paraguai, que vai ligar a cidade de Porto Murtinho, no Brasil, a Carmelo Peralta, no Paraguai.

O DNIT informou ao g1 que o acesso à ponte faz parte da mesma obra do Contorno Rodoviário Norte de Porto Murtinho.

O departamento não atualizou o g1 sobre o valor do investimento, mas em fevereiro havia apontado que a obra estava orçada em R$ 190 milhões. O prazo de execução é de 1 ano e seis meses. O Contorno Rodoviário Norte de Porto Murtinho terá aproximadamente 13,1 km e partirá do km 678,10 na BR-267.

Na região deverá ser construído ainda um centro de controle aduaneiro.

No Paraguai são 559 quilômetros. Começa logo após a travessia do rio Paraguai, em Carmelo Peralta. No local está sendo construída a ponte da Bioceânica.

Ponte da Bioceânica, entre Carmelo Peralta e Porto Murtinho — Foto: MOPC/Divulgação

Ponte da Bioceânica, entre Carmelo Peralta e Porto Murtinho — Foto: MOPC/Divulgação

A ordem de serviço da ponte foi dada no dia 13 de dezembro de 2021 pelo presidente paraguaio Mario Abdo Benitez. Em sua página na internet, o consórcio Pybra, formado pelas empresas Tecnoedil Construtora, do Paraguai, e Cidade Ltda e Paulitec Construções, do Brasil, aponta a conclusão das obras no primeiro semestre de 2025.

A ponte está sendo construída em uma área que fica a cerca de 14 quilômetros da BR-267, em Porto Murtinho. O investimento é de R$ 575,5 milhões e está sendo feito pela administração paraguaia da usina de Itaipu.

A estrutura, de 1.293 metros de comprimento e 20,10 metros de largura, é fundamental para viabilizar a Rota Bioceânica. Atualmente, a ligação entre os dois países nessa região é feita somente por balsas.

O Ministério de Obras Públicas e Comunicações do Paraguai (MOPC) aponta que 19% das obras da ponte da Rota Bioceânica já foram concluídas.

No Paraguai, a rota segue pelo norte do país, atravessando a região do Chaco (Pantanal paraguaio) e passando por cidades como Mariscal Esticarribia e Pozo Hondo na fronteira com a Argentina.

Trecho recém pavimentado da Rota Bioceânica no Paraguai — Foto: MOPC/Divulgação

Trecho recém pavimentado da Rota Bioceânica no Paraguai — Foto: MOPC/Divulgação

De acordo com o MOPC, no Paraguai a extensão da Rota Bioceânica foi dividida em três trechos para a pavimentação. O primeiro de Carmelo Peralta a Loma Plata tem 277 quilômetros e já está concluído. O investimento na iniciativa foi de US$ 443 milhões.

Em Carmelo Peralta está sendo construída a ponte sobre o rio Paraguai, que ligará o país ao Brasil, por Porto Murtinho.

O segundo trecho da rota no Paraguai vai de Cruce Centinela a Mariscal Estigarribia. Tem uma extensão de 102 quilômetros e investimento previsto de US$ 110 milhões.

Segundo o ministério, sua pavimentação deve ocorrer após o trecho 3, já que existe outra rodovia na região, a PY09, que foi remodelada e pode funcionar como alternativa para o trecho.

No início de março o governo paraguaio assinou o contrato para a pavimentação do terceiro trecho da Rota Bioceânica no país (Rota PY15). É o intervalo entre as cidades de Mariscal Estigarribia e Pozo Hondo, no departamento de Boquerón, com uma extensão de 224,8 quilômetros.

Segundo o MOPC, a obra terá um investimento de US$ 354,2 milhões, financiado com recursos do Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata) e será executada em três lotes.

O ministério aponta que a partir da assinatura do contrato, as empresas vão ter seis meses para elaborar o projeto final de engenharia da obra e dois anos para executar a pavimentação.

Além do asfaltamento da rodovia, também estão previstas melhorias viárias nas cidades de Mariscal Estigarribia e Pozo Hondo, como construção de rotatórias, acessos aos aeroportos, cabines de pedágio e pesagem de veículos.

Em Pozo Hondo, na fronteira com a Argentina, será construído ainda um centro de controle aduaneiro.

Na Argentina, a rota tem 977 quilômetros. A megaestrada vai passar por Tartagal, San Salvador de Jujuy até Paso de Jama, na fronteira com o Chile.

Após cruzar a Cordilheira dos Andes, passar pelo Deserto do Atacama, chegando a San Pedro do Atacama, pode se optar por descer aos portos de Antofagasta ou subir até os portos de Iquique. No território chileno, o corredor tem um percurso de aproximadamente 430 quilômetros.

Competitividade da rota

Estudo da Empresa de planejamento e Logística (EPL) e do Ministério das Relações Exteriores aponta que o Corredor provocará uma série de impactos na logística regional, como: estimular a formação de novos fluxos de comércio e investimento; redução dos custos de transporte e de logística, elevando a competitividade e permitindo o acesso a regiões de crescente poder aquisitivo ou ampla oferta de insumos e estímulo a exploração da multimodalidade e a melhoria das vias hidroviária, ferroviária e aérea.

Conforme o EPL, pode encurtar em mais de 9,7 mil quilômetros de rota marítima a distância nas exportações brasileiras para a Ásia. Em uma das análises feitas pelo trabalho compara o envio de uma carga de Campo Grande para Mumbai, na Índia. Primeiro pelo modelo em uso atualmente, seguindo de caminhão da capital sul-mato-grossense

para o porto de Santos e depois seguindo de navio pelo oceano Atlântico, atravessando para o oceano Pacífico pelo Canal do Panamá. Depois pelo corredor bioceânico até o Porto de Antofagasta, no Chile. Via Santos, a distância percorrida será de 32.228 quilômetros e via Antofagasta, 22.451, ou seja, 9.777 quilômetros a menos. Isso representa uma economia no valor do frete de 18,8%, com o preço caindo de US$ 538,63 por tonelada para US$ 437,24 por toneladas transportada.

Em outra comparação, o EPL analisa o despacho de uma carga para Shangai, na China. Via Santos, passando pelo Canal do Panamá, são 24.156 quilômetros de distância, que deverão ser percorridos em 54 dias e 8 horas em média. Via Antofagasta serão 18.677 quilômetros em uma viagem que deve durar 42 dias e 1 hora. A redução de 23% no tempo de viagem, cerca de 12 dias a menos.

Além disso, o estudo aponta uma série de vantagens competitivas no uso dos portos chilenos em relação a Santos, como redução de 88% no valor da praticagem (assessoramento para o navio atracar), de US$ 30 mil para US$ 3,6 mil; de 77,7% no tempo de estadia/atracação/fundeio, de 9 para 2 dias; de 50% na demurrage (taxação por manter a carga em área portuária além do tempo que foi determinado em contrato), de US$ 30 mil para US$ 15 mil, entre outras.

Potencialidade para Mato Grosso do Sul

Em 2019 um grupo multidisciplinar formado por oito professores das universidades Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e Federal de Santa Catarina (UFSC), além de um técnico da UFMS e estudantes, participaram de um projeto de pesquisa sobre a Rota Bioceânica.

O trabalho chamado de “Apontamento sobre o Corredor Bioceânico Brasil–Norte do Chile: Economia, Logística, Direito, Turismo e História”, foi concluído no fim de 2022, e resultou em um ebook, que foi publicado dentro da página da UFMS sobre o corredor. Para acessar clique aqui!

O estudo coordenado pelo professor Erick Pusch Wilke, mestre em Cultura & Turismo e doutor em Administração na linha de estudo e pesquisa Estratégias Organizacionais, apontou que o corredor oferece diversas oportunidades para Mato Grosso do Sul, como: aumento da competitividade dos produtos, aprofundamento das relações entre os países; possibilidade da exploração do potencial exportador de outros produtos produzidos pelo estado, em especial da agricultura familiar, melhoria na infraestrutura de cada região envolvida, recebimento de novos investimentos públicos e privados; geração de novos empregos; aumento da arrecadação dos municípios por onde o corredor passa em razão da maior demanda por produtos e serviços e incremento no turismo.

“Trabalhamos eixos centrais, buscando registrar não somente as oportunidades, mas também os desafios, porque a materialização vai acontecer. Na questão logística, por exemplo, quais seriam essas oportunidades e desafios para Mato Grosso do Sul e Porto Murtinho? No turismo, como se colocam os destinos turísticos e os municípios ao longo da rota. Eles estão preparados? Não estão preparados? Quais são os desafios, existem produtos formatados ou não para receber esse trânsito de pessoas que passam pelo caminho rodoviário? Na questão da economia, quais produtos são do interesse internacional? Quais atividades produtivas poderiam se beneficiar do corredor bioceânico? Tem propriedades circunvizinhas aos municípios percorridos pela rota? Será que essas comunidades estariam organizadas e quais produtos teriam maior vazão, maior possibilidade de percorrer um caminho internacional ou mesmo ganhar com o trânsito de pessoas ao longo do caminho? Essas foram algumas das questões levantadas”.

Entre as atividades e setores que podem ter grande benefício com a rota, o coordenador da pesquisa citou três no estado. O primeiro o de carne. “A rota pode ser uma alternativa interessante para a carne de Mato Grosso do Sul. Atualmente, 80% da nossa produção é exportada por Paranaguá (PR) e por Santos (SP). Pode ser uma alternativa viável exportar pelo corredor para outros países da América do Sul e para a Ásia”.

Ele destacou também o potencial da agricultura familiar do estado para se beneficiar do corredor. Explicou que os municípios ao longo da rota em Mato Grosso do Sul, já tem produção de itens como leite, mandioca, mel, entre outros, que podem acabar percorrendo o corredor, desde que haja organização dos produtores por meio de associações ou cooperativas. “Esses produtos podem sim ser colocados nas prateleiras do Paraguai, Argentina e Chile. Existe uma vocação do estado para comercializar esses produtos”, ressaltou.

O terceiro item destacado pelo coordenador do estudo é o turismo. “Prevemos um caminho de oportunidades. Uma rota de 2,3 mil quilômetros que percorre quatro países com paisagens e culturas diversas. Um trajeto relativamente curto, mas que precisa de uma identidade, precisa ter valor agregado, com as grandes rotas de turismo no mundo, como a 66, que atravessa os Estados Unidos. Lá você tem um produto, tem uma construção, tem uma identidade com valor agregado”.

Ele explicou que o estado identificou algumas cidades polo, chamadas de cidades eixo, que podem receber uma grande demanda de turistas e que tem de estar preparadas para atender esses visitantes. Entre elas estão, Campo Grande e Porto Murtinho em Mato Grosso do Sul, Mariscal Estigarribia, no Paraguai, San Salvador de Jujuy e Salta, na Argentina, e San Pedro do Atacama, Iquique e Antofagasta, no Chile.

“Em Campo Grande, por exemplo, o turista pode descer no aeroporto, alugar um carro e percorrer todo o corredor. A cidade pode receber ainda mais turistas vindos de todo o Brasil e de todo o mundo”, comentou, reiterando que o setor deve estar preparado para receber esse grande volume de visitantes com qualidade e com todas as possibilidades que a rota oferece.

O professor diz que o grupo já entrou com um novo projeto de extensão para atualizar todo o trabalho de pesquisa e que a proposta é novamente transformar o resultado em um ebook, com uma linguagem mais simples, para que possa ser acessível a todas as pessoas interessadas na rota.

Em 2017, quando uma expedição de empresários do setor de logística e da produção e autoridades públicas, avaliou a viabilidade do corredor, a Associação Brasileira de Agências de Viagens em Mato Grosso do Sul (ABAV-MS), já apontava a potencialidade do corredor.

Na época a instituição ressaltava que o corredor possibilitaria um acesso mais fácil ao turista brasileiro aos grandes atrativos da região, como a Cordilheira dos Andes, no trecho argentino e chileno e ao deserto do Atacama, também no Chile.

Também possibilitará a “descoberta” pelo público de recantos com imenso potencial turístico ainda não tão explorados, como as cidades históricas de arquitetura e inspiração europeia, de San Salvador de Jujuy e Salta, na Argentina; as que ficam no meio do Pantanal paraguaio (Chaco), como Carmelo Peralta, Loma Plata, Marechal Estigarribia e Pozo Hondo; e as que ficam no litoral chileno, como Antofagasta e Iquique, entre outras.

Em contrapartida, deve aumentar, conforme a análise feita naquele momento pela instituição, o fluxo de turistas do Paraguai, Argentina e Chile, e também de outros países sul-americanos a Mato Grosso do Sul, para conhecer belezas como as de Bonito e do Pantanal.

Análise

Vistoria a obras da ponte da Bioceânica — Foto: Semadesc/Divulgação

Vistoria a obras da ponte da Bioceânica — Foto: Semadesc/Divulgação

O secretário estadual de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), Jaime Verruck, esteve no fim de maio, visitando as obras de construção da ponte da Bioceânica, entre Carmelo Peralta e Porto Murtinho, e saiu animado com o andamento do projeto.

“Hoje visitamos o canteiro de obras da Ponte Bioceânica, onde se vê claramente um avanço mais intenso das obras no lado paraguaio. E essa é uma estratégia da própria construtora que depois vai desenvolver o lado brasileiro. O que nós percebemos claramente primeiro é o andamento do cronograma previsto. Ou seja, nós temos aí a previsão que a ponte seja concluída até dezembro de 2024, para que seja inaugurada ainda no primeiro semestre de 2025”, destacou.

Segundo ele, a Rota traz uma mudança na geopolítica da América do Sul, na produção e comercialização de produtos. “Aí começamos a ter a dimensão da magnitude do projeto. Estamos criando uma alternativa para escoar a produção brasileira de atingir o maior mercado do mundo que o asiático para os nossos produtos que era colocado pelo Panamá colocado pelo corredor rodoviário”, enfatizou.

No entanto, para que os municípios tenham ganhos neste projeto será preciso infraestrutura de mercado, logística e muito planejamento. “Precisamos de diretrizes e direcionamento para aproveitar a oportunidade que será única para os municípios do Estado, assim como as cidades do Chaco Paraguaio o Norte da Argentina e o Chile. Mas precisamos de infraestrutura e planejamento”, frisou o secretário.

Porto Murtinho é considerada o portal da Rota Bioceânica — Foto: Prefeitura de Porto Murtinho/Divulgação

Porto Murtinho é considerada o portal da Rota Bioceânica — Foto: Prefeitura de Porto Murtinho/Divulgação

Planejamento é a palavra-chave utilizar pelo prefeito de Porto Murtinho, Nelson Cintra (PSDB), para definir como a cidade se preparar para receber a Rota Bioceânica. Ele diz que o município de 17,5 mil habitantes, que tem na pecuária a principal atividade econômica, já sente os reflexos do empreendimento e cita como um dos efeitos a valorização imobiliária, que ultrapassa os 200% em alguns casos.

“Estamos recebendo muitos investimentos. São recursos para melhoria no aeroporto, para ampliação do hospital, ampliação de escolas, pavimentação urbana. Além disso estamos fazendo plano diretor da cidade, queremos organizar o crescimento. Porto Murtinho deve se transformar em um centro logístico de distribuição de cargas para o Brasil e do Brasil para os outros países da rota e para a Ásia. Alguns falam em mil contêiners por dia. Outros em dois mil. Para que essa estrutura não seja implantada de modo desordenado, estamos estudando junto com universidades a criação de um projeto modelo de armazenamento, o que inclui preocupação com a sustentabilidade dessas estruturas”.

O prefeito diz que o andamento do projeto mudou a perspectiva da população em relação a cidade. “Porto Murtinho era encarada com uma cidade de final de linha, que fica muito isolada e que estava esquecida no tempo. Depois de 2017, quando houve a assinatura do compromisso de viabilização do corredor pelos governos do Brasil e do Paraguai, a situação mudou. A esperança chegou. Hoje, com as obras em andamento a população está muito animada. As pessoas estão aproveitando as oportunidades de capacitação oferecidas por entidades como Sebrae/MS e Sesi para se preparar para as oportunidades que já estão surgindo e as que vão vir com a rota”, conclui.

Gargalo

O ministro de carreira do Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), João Carlos Parkinson, diz que a questão alfandegária entre os quatro países que compõem a Rota Bioceânica é atualmente a grande questão em discussão no projeto.

Ele defende a implementação nas aduanas fronteiriças dos quatro países de processos simplificados e centros de controle integrados, a exemplo do que ocorre no Passo de Jama, que fica na Cordilheira dos Andes, na fronteira entre a Argentina e Chile.

O ministro aponta que com a integração digital e procedimentos antecipados haverá uma interferência mínima na estrada e na fronteira, com desembaraço aduaneiro feito entre 3 e 6 horas.

O Ministro apontou que o controle da carga deve ser limitado à simples verificação da documentação, da garantia e do lacre.

Parkinson disse que em uma aduana não integrada, o tempo de um caminhão parado pode chegar a 72 horas, com um custo de R$ 3,3 mil, em razão das despesas com diárias, alimentação, seguro, multa por atraso. Em contrapartida, em uma aduana integrada, em que equipes dos dois países trabalhem lado a lado nas áreas de segurança, vigilância sanitária e desembaraço aduaneiro, esse tempo cai para 6 horas e o custo despenca para R$ 281,15.

“Priorizamos em um primeiro momento a integração física, agora é a integração aduaneira. Tem que ter uma integração no trabalho [em Porto Murtinho], como já ocorrem São Borja (RS). O funcionário brasileiro trabalha ao lado do estrangeiro e aí não tem problema de carimbo, de nada. Já acionei todos os órgãos permanentes e todos citam a falta de estrutura para colocar nessa aduana integrada. Precisamos agora da ação política do governo brasileiro para viabilizá-la”, ressaltou.

O governo de Mato Grosso do Sul também se preocupa com a questão alfandegaria e trabalha para auxiliar na resolução do gargalo. “Percebemos aqui a grande necessidade de agilizar a questão alfandegária. Este é um foco que a Semadesc tem dado neste ano que é a constituição das alfândegas. Fica muito claro que a estrutura alfandegária disponível hoje no Mercosul não é suficiente para dar competividade para a Rota. Então, hoje aqui tivemos disponibilidade de verificar onde será instalada a alfândega. Mas o mais importante disso é que o Estado avance em toda a estruturação legal dessas alfândegas para que possamos pensar em 2025 e 2026 a Rota já operando”, concluiu o secretário Jaime Verruck.

Por Anderson Viegas, g1 MS

0 comentários